“Feliz é o homem que não se condena naquilo que aprova” – Romanos 14:22
Recentemente o mundo ficou chocado com a história do austríaco Josef Fritzl, que aprisionou sua filha por 24 anos no porão da sua casa e teve sete filhos com ela. Em meio às reportagens sobre a descoberta, no entanto, uma das suas declarações me chamou a atenção: “Eu constantemente sabia, durante os 24 anos, que o que estava fazendo não era certo.”
Essa declaração me fez lembrar de um momento marcante durante as aulas de psicologia na faculdade. Falando sobre a natureza humana, certo dia, o professor resolveu fazer a pesquisa: “Quantos estão cientes de que fumar é prejudicial à saúde?” E praticamente todos levantaram a mão. Em seguida ele fez uma segunda pergunta: “E quantos de vocês fumam?” Talvez 60 a 70% dos que haviam respondido afirmativamente à primeira pergunta, levantaram a mão novamente.
A pergunta que fica é: se sabemos o que é o certo, por que não fazemos assim?
Essa característica do ser humano é tão reconhecida que gerou ditos populares como: “Faça o que falo, mas não faça o que eu faço” (em inglês, existe o dito “Talk the talk and walk the walk”).
Todas as pessoas desenvolvem uma escala de valores morais pelas quais pautam a sua opinião sobre o que é certo e o que é errado. Muito poderia se discutir sobre o que influencia esse processo, mas o nosso foco está sobre a observação de que mesmo tendo essas definições ainda não somos coerentes conosco.
Esses valores formam o nosso caráter e a nossa coerência diz respeito à nossa integridade como seres humanos. No entanto, quando não agimos de acordo com nossas crenças criamos um conflito interior, em primeiro lugar. E também criamos um conflito exterior através da comparação feita por outros entre o que “pregamos” e como agimos.
Portanto, a incoerência moral e ética entre as idéias defendidas, ensinadas e cobradas e o que é praticado pode ter um efeito corrosivo na sociedade, pois querendo ou não, são modelos sociais com um impacto significativo na população, seja no contexto familiar, profissional, religioso ou comunitário — a pedagogia do exemplo.
A Bíblia também fala sobre a incoerência humana. Na verdade todo o ministério de Jesus foi marcado pela observação crítica dos líderes religiosos, em busca de incoerências entre a pregação e a prática de Jesus, e o combate à hipocrisia dessas pessoas. Jesus chega a classificar os fariseus e os mestres da lei como sepulcros caiados, serpentes e raça de víboras. E orienta: “Obedeçam-lhes e façam tudo o que eles lhes dizem. Mas não façam o que eles fazem, pois não praticam o que pregam” (Mateus 23:3).
Já no final da Sua missão, reforçando a preocupação em serem coerentes, Jesus, após uma aula prática sobre humildade e liderança servidora para os seus discípulos, enfatiza: “Agora que vocês sabem estas coisas, felizes serão se as praticarem” (João 13:17).
Posteriormente, o apóstolo Paulo ao lidar com essa questão nos apresenta uma tendência natural do ser humano de ser incoerente e fazer coisas erradas. E ele mesmo confessa: “Pois o que faço não é o bem que desejo, mas o mal que não quero fazer, esse eu continuo fazendo” (Romanos 7:15).
No desenvolvimento da compreensão sobre a natureza humana Paulo volta a falar sobre essa incoerência mais tarde, sugerindo que há necessidade de uma clara definição e um forte desenvolvimento moral em cada pessoa, o qual se dá através da espiritualidade. Para Paulo, a vantagem é ser coerente porque: “Feliz é o homem que não se condena naquilo que aprova” (Romanos 14:22). Um dos meus versos bíblicos preferidos.
Um outro Paulo, o educador Paulo Freire, no nosso tempo reafirma a verdade bíblica dizendo: “É fundamental diminuir a distância entre o que se diz e o que se faz, de tal maneira que, num dado momento, a tua fala seja a tua prática."
Hoje, valorizamos a honestidade ao ponto dela se tornar notícia amplamente divulgada, mas quando sabemos que alguém achou um pacote de dinheiro e entregou às autoridades, não acreditamos e até alguns reprovam a atitude.
Num momento em que o ser humano tem se apresentado incoerente, é hora de todos na sociedade atentarem para essa realidade, mas de forma especial aqueles que exercem autoridade política, social, religiosa, cultural e educacional. Não basta o alarme com os comportamentos irracionais e imorais, é necessário que mudemos de postura e apresentemos à sociedade a marca que deveria ser pertinente àqueles que desfrutam da racionalidade e da espiritualidade: a coerência.
Por: Marcelo E. C. Dias, pastor da Igreja Adventista do Sétimo Dia, em Artur Nogueira. Formado em teologia e administração de empresas. Concluiu o seu MBA na Califórnia, Estados Unidos, em 2003.
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